Há seis meses, os brasileiros observaram Jair Bolsonaro subir a rampa do Palácio do Planalto e tomar posse como presidente da República. As expectativas eram dúbias e os horizontes, incertos. Sabia-se de uma pretensão em aprovar medidas impopulares, como a reforma da Previdência e o decreto das armas, mas nada poderia prever o circo que se formava nos bastidores da política brasileira.
A trupe dos ministros
Para chefiar um dos 22 ministérios, Bolsonaro preferiu confiar boa parte das cadeiras a uma trupe que endossasse seu discurso ideológico, raiz de sua popularidade.
O ministro da Educação protagoniza um dos episódios mais agitados da gestão Bolsonaro até aqui: o corte de 30% no orçamento discricionário das universidades públicas, primeiramente causado por ‘balbúrdia’, mas que teve sua real barganha política exposta quando se revelou a necessidade de apoio à reforma da Previdência.
Abraham Weintraub tentou fazer a conta com chocolatinhos, mas errou a porcentagem. Depois, esbravejou dizendo que a “extrema-imprensa” que inventava estatísticas. Continua nessa tendência, mas agora conta com uma coreografia hollywoodiana. Para provar seu conhecimento limitado, confundiu Kafka com a carne cafta, e deu-se a explicação perfeita para o porquê dele estar à frente da pasta da ignorância, suprema em uma gestão do bolsonarismo.
Damares Alves, à frente do ministério dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família, integra a ampla frente de 2 ministras mulheres em conjunto com Tereza Cristina, da Agricultura. Apesar da falta de representatividade, Damares tem como prioridade estabelecer azul para meninos e rosa para meninas.
Em defesa da família – mas só de um padrão, já que o gayzismo é coisa de esquerdista – e do ‘nascituro’, ela denuncia horrores da realidade socioeconômica brasileira, como as aulas de bruxaria para crianças do Nordeste. Grave.
Os elementos-problema
Zero-um, zero-dois, zero-três e infinitos problemas para o capitão. Entre a primeira queda de um ministro do governo, a acusação de enriquecimento ilícito e formação de associação criminosa e crimes virtuais e desentendimentos dentro do próprio partido, Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro foram responsáveis por diversos escândalos nos primeiros seis meses de governo.
E não estavam desamparados nem pela base do eleitorado robô, nem filosoficamente. Árduos defensores de Olavo de Carvalho, que colocou fogo na fogueira entre os militares e a ala ideológica do governo, foi o filho ‘pitbull’ que apresentou ao pai o guru intelectual do governo, que impera sem diploma, sem relevância e com o nato ódio gratuito aos inimigos.
Diga-me com quem andas e te direi quem és
O círculo bolsonarista também é recheado de figuras que comprometem a reputação do presidente. Jair, próximo da igreja evangélica, recentemente viu um casal de amigos pastores sendo preso nos EUA por não declarar 56 mil dólares em um voo. O dinheiro estava escondido em uma Bíblia do casal. Os dois, inclusive, são organizadores da Marcha para Jesus, evento que o presidente participou no último mês.
Não há como se esquecer também de Fabrício Queiroz, motorista e assessor de Flávio, amicíssimo da família Bolsonaro, que recolhia parte da remuneração dos servidores de gabinete de Flávio na Alerj para contratar colaboradores informais para alavancar a campanha do primogênito.
O deputado, aliás, homenageou na Alerj em 2007 Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-PM apontado como chefe do Escritório do Crime, importante milícia carioca. Nóbrega é acusado de estar envolvido no assassinato da vereadora Marielle Franco. A relação do capitão e dos filhos com os milicianos não parou por aí: Élcio Queiroz, um dos apontados como executor de Marielle, tem fotos com o presidente. Ronnie Lessa, outro apontado como executor dos tiros na vereadora, mora no condomínio do capitão. Sua filha namorou o “04”, Renan Bolsonaro.
Patrulha virtual
Para provar que merece ficar até o fim do mandato, Bolsonaro também inaugurou um novo tipo de protesto no Brasil: a manifestação positiva a si próprio. Milhares de verde-amarelistas tomam, de vez em quando, espaços no Brasil para apoiarem ministros corrompidos e reformas impopulares para tentar resgatar a popularidade do ex-capitão, que não caminha bem.
Chefe linha-dura ou autoritário sem motivo?
Em seis meses de governo, o presidente perdeu três de seus ministros. Tudo começou em fevereiro, quando o capitão demitiu Gustavo Bebbiano, que ocupava o cargo de secretário-geral da Presidência. Bebbiano presidiu o PSL em 2018 e é implicado no esquema de candidaturas laranjas do partido. Recentemente, ele voltou a aparecer na esfera pública, tecendo críticas aos filhos do presidente, que “atrapalham” o governo.
No início de abril, foi a vez do colombiano Ricardo Vélez, que era ministro da Educação. Sua saída se deu em meio aos conflitos entre militares e olavistas.
Também por conta de atritos com o guru Olavo de Carvalho e os filhos do capitão, o general Santos Cruz, que comandava a secretaria do Governo, também foi despachado.
Outras posições do governo também tiveram seus nomes trocados, como o presidente da Funai, originalmente comandada por Ribeiro de Freitas; o presidente dos Correios, por Juarez da Cunha; e Joaquim Levy, que renunciou o cargo de presidente do BNDES.
A busca pelo poder no STF
Bolsonaro não é o maior fã do Supremo Tribunal Federal. Desde sua campanha eleitoral, dizia querer aumentar para 21 a quantidade de ministros no STF. O objetivo é formar maioria ideológica. Entre seus apoiadores na instituição, ele questiona a falta de um ministro evangélico. Além do foco divino, Bolsonaro aposta ainda (ainda?) em Sérgio Moro. O capitão espera que o ex-juiz ocupe o cargo de Celso de Mello, que se aposenta em 2020.
O aniversário do golpe
O presidente nunca escondeu seu apreço pela ditadura militar. Às vésperas do aniversário do golpe, determinou que as unidades militares celebrassem a data. A determinação causou controvérsias, a ponto do Ministério Público defender que celebrar um regime antidemocrático configura crime de responsabilidade. Ainda assim, em 31 de março, o governo divulgou um vídeo em defesa do golpe de 1964, alegando que os militares salvaram o Brasil de uma suposta ameaça comunista.
Homenagens, digamos, inusitadas
O presidente não “passou o pano” apenas para os militares brasileiros. Em evento da nova diretoria da Itaipu, junto ao presidente paraguaio Mario Abdo Benítez, ele elogiou Alfredo Stroessner, ditador que comandou o Paraguai de 1954 a 1989. Na mesma data, elogiou os ditadores brasileiros marechal Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Este último descreveu como “saudoso e querido”.
Recentemente, prestou solidariedade ao MC Reaça, cantor que se suicidou após agredir a amante, que acreditava estar grávida. “Tinha o sonho de mudar o país e apostou em meu nome por meio de seu grande talento”, escreveu o presidente no Twitter. Veja:
O cantor não foi o primeiro com polêmicas machistas que o presidente elogiou. Logo após a acusação de que Neymar teria estuprado uma modelo, o presidente afirmou que o jogador está passando por um “momento difícil, mas acredito nele”.
Apesar das lembranças a essas pessoas, o presidente nada comentou quando o músico Evaldo Pereira foi morto por 80 tiros do Exército no Rio de Janeiro ou quando a jogadora Marta, na Copa Feminina, se tornou a maior artilheira/o das Copas.