Cumprindo pena de 39 anos no regime aberto, Daniel Bento, ex-Cravinhos, @d.arte.paint.prt rompeu o silêncio. Ele conversou o jornalista Ulisses Campbell , o autor do livro sobre Suzanne, e contou sobre a vida fora das muralhas de Tremembé. O egresso de 42 anos revela como lida com o crime que cometeu e o que diria para Suzane, caso a encontrasse.
1 – Se encontrasse a Suzane na rua, o que você diria a ela?
Acho que não tenho mais nada pra falar com ela. Minha história com a Suzane acabou no dia 31 de outubro de 2002 [data do assassinato dos casal von Richthofen]. Agora, ela é vítima de si mesma. Antes, tinha muita mágoa, raiva e tudo mais. No entanto, percebi que minha vida não andava para frente enquanto alimentava esses sentimentos negativos no coração. Sendo assim, se a encontrasse na rua, falaria “boa sorte na sua caminhada”. E mudaria de calçada.
2 – Se o tempo voltasse, o que você não faria?
Tantas coisas… Não me envolveria com a Suzane, não chamaria o meu irmão para o buraco. Não me deixaria levar pela manipulação… Mudaria todas as minhas atitudes.
3 – De quem foi a ideia de matar os pais da Suzane? Como você divide a responsabilidade?
A ideia foi dela, mas não me eximo da responsabilidade. Uma pena foi a gente envolver o Cristian, que tentou melar o plano várias vezes.
4 – Já pediu perdão ao Andreas?
Sinto muita dor em falar no Andreas. Ele é a maior vítima disso tudo. Tinha 14 anos quando me perdoou, na época do julgamento. Mas esse perdão venceu porque ela era um garoto e hoje é adulto. Ainda não tive oportunidade de encontrá-lo depois que saí de Tremembé. O Andreas era meu irmão. Sonho com o dia em que terei um acerto de contas definitivo com ele. Ainda estou me preparando psicologicamente para procurá-lo, abraçá-lo e beijá-lo. Nem sei se tenho essa coragem Só de pensar nele fico desestabilizado emocionalmente.
5 – Quando estava preso, você disse em seu teste de Rorschach que tinha pesadelos com o Manfred e a Marísia. Esses pesadelos ainda te atormentam?
Não! Hoje, o casal Richthofen aparece no meu sonho sempre fazendo coisas boas para mim. Outro dia sonhei com o Manfred e a Marísia me perdoando e apoiando o meu recomeço.
6 – Você voltou a pilotar avião de aeromodelismo no Ibiraquera. O parque despertou que tipo de sentimentos?
São muitas sensações. Sem dúvidas a primeira é a ausência do meu pai [Astrogildo Cravinho, morto em 2014 aos 69 anos vítima de câncer no pulmão]. Ele sempre ia comigo ao parque. Como estava em Tremembé, não pude ir ao seu enterro.
7 – O que mais?
Acho que é meio inconsciente, mas fico tentando entender como me deixei levar por uma energia ruim na época em que frequentava um lugar tão mágico, como o Ibiraquera. Parece algo idiota… Mas voltar ao parque é uma tentativa de tentar mudar o passado. O fato é que, paradoxalmente, o Ibiraquera ainda é um lugar que eu amo.
8 – Qual o maior desafio no seu processo de ressocialização?
Por causa do que eu fiz, meus amigos se afastaram de mim. Com o tempo, eles estão voltando. Recuperar essas amizades têm sido fundamental para o recomeço.
9 – A Suzane virou costureira. E você? Tá trabalhando com quê?
Trabalho com motovelocidade, algo que sonho desde menino. Quando era criança, via corrida na televisão com meus pais e ficávamos vibrando, torcendo. Quando saí da cadeia, conheci pessoas incríveis que me ajudaram muito na minha ressocialização. Graças a essa rede de apoio, virei piloto e customizador de motos e designer. Pintamos qualquer tipo de coisa personalizada.
10 – Tem saudades de Tremembé?
De modo algum. A penitenciária é o local onde fui punido pelo crime que cometi. Foi onde amadureci bastante. Foi lá que refleti sobre as minhas atitudes; onde trabalhei o meu processo de arrependimento. Tremembé é um lugar de transformação, que moldou o homem que sou hoje.