Por causa da pandemia de coronavírus, Zeca está levando uma vida bem diferente do que está acostumado.
E no Dia das Mães, domingo (10) vai ter muito samba na hora do almoço com a live de Zeca!
“Imagina Zeca Pagodinho em casa por 60 dias!”, diz o sambista de 61 anos, logo depois de abrir o celular, pilotado pela filha, para uma conversa por Skype. “Estou assistindo ao [canal] Viva, de vez em quando vejo jornal. Estou fazendo coisas que eu nunca fiz, tipo ver filme, desenho animado, ler gibi.”
Por causa da pandemia de coronavírus, Zeca está levando uma vida bem diferente do que está acostumado. Em vez das reuniões com amigos em seu sítio em Xerém, ele está em seu apartamento na Barra da Tijuca, no Rio.
“Não vejo meus cavalos, não vejo meus amigos, não tomo minha cerveja”, diz ele, que está passando a quarentena com o neto, duas filhas e a esposa, Mônica. Zeca fugiu do sítio seria impossível permanecer lá com a casa vazia. “Quando eu chego, é uma festa, vai todo mundo lá pra casa. Aí, como faz?”.
Apesar de deixar de lado a cervejinha, os amigos e os animais, Zeca não abandonou totalmente o samba – pelo menos por um dia. Depois de um tempo cético com as lives, já que não toca violão e não queria cantar sem acompanhamento, ele enfim se rendeu ao formato.
Vai transmitir uma apresentação caseira no próximo domingo (10), às 13h, com poucos instrumentistas, e seguindo as orientações de distanciamento recomendada pelas autoridades de saúde.
Não que ele precisasse de alguma recomendação para ficar em casa. “Sou bastante medroso”, diz, sobre a Covid-19. “O caso é sério, ainda mais pra mim, que já passei dos 60. Assim que falaram, já fiquei dentro de casa. Não demorei nada.”
O esquema da live de Zeca ainda não está totalmente definido, mas o repertório já está encaminhado. Ele vai passar tanto pelos seus maiores hits, como “Deixa a Vida Me Levar”, “Verdade” e “Brincadeira Tem Hora”, entre muitos outros, mas também pelo seu disco mais recente, “Mais Feliz”, que saiu no ano passado. Das novas, ele deve cantar “Permanência”, a faixa-título e sua versão de “O Sol Nascerá”, clássico de Cartola.
“Vai ser como se eu estivesse em casa, ou no bar com a rapaziada. Faço tudo de improviso.”
Zeca está feliz por rever alguns amigos – os quatro ou cinco músicos que o acompanharão no show – e conseguir reunir doações. Mas quem está acostumado a vê-lo com um copo de cerveja, uma cena tão icônica que há anos é fonte de memes internet afora, pode vê-lo mais comportado no YouTube.
Recentemente, o sertanejo Gusttavo Lima foi recentemente notificado pelo Conar, órgão de regulamentação publicitária, por propaganda indevida, depois de beber excessivamente a cerveja patrocinadora de sua live. “Nem em comercial se pode beber mais”, diz Zeca, que já foi estrela de diversos comerciais de bebida alcoólica. “Agora, inclusive, não pode mais nada. É por isso que eu não gosto de rede social.”
Mas independentemente da regulamentação do Conar, Zeca está pegando leve. “Aqui em casa ninguém bebe. Gosto de beber em Xerém, encontrar meus amigos para tomar uma cerveja. Não estou totalmente sóbrio, às vezes tomo uma quando estou pegando um sol na cobertura. Estou meio devagar, também por causa da glicose.”
Alheio à internet, Zeca não assistiu a nenhuma live até agora. Na sala de casa, ele se vira, abre uma gaveta e tira dois celulares antigos, do tipo Nokia tijolão. Tudo para dizer que seu uso dos aparelhos se resume a fazer e atender ligações.
“É muita mensagem, muita coisa. Gosto de estar na rua, sair ali com a rapaziada, ir ao shopping. Vou todo dia à minha gravadora”, diz. “Mas agora ligo para Xerém todo dia, para saber como estão meus animais.”
Mesmo longe das redes sociais, Zeca ficou sabendo dos ataques ao Cacique de Ramos, celeiro de gigantes do samba, como ele, Beth Carvalho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Luiz Carlos da Vila, entre outros. O bloco, um dos mais tradicionais do carnaval do Rio, foi acusado nas redes de racismo e apropriação cultural este ano pelas fantasias indígenas.
“Não acho que está ofendendo os índios. Quem ofende os índios são esses caras que vão roubar madeira, que roubam as terras dos índios. Disso ninguém fala”, diz. “O Cacique é uma família, onde nasceu Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Almir Guineto… As pessoas têm que procurar mais o que fazer, em vez de ficar achando coisa onde não existe.”
“Porra, vou sair daqui pra ficar falando da pena do índio?”, continua. “Ah, espera aí também. O país numa crise dessa, num inferno desses, e o cara preocupado com a pena do Cacique? Se liga, né?”.
Zeca lembra que, na sua juventude, os blocos desfilavam na avenida, no sábado de Carnaval, tinham eleição de samba enredo e eleição de primeiro, segundo e terceiro lugar. Quem não tinha dinheiro para ver as escolas de samba, ele diz, ia aos blocos.
Segundo a Riotur, órgão da Prefeitura do Rio, o bloco – ou trio elétrico, como Zeca prefere chamar – que reuniu mais gente foi o de Ludmilla, com mais de 1 milhão de foliões. Apesar de ter lançado um EP de pagode, a cantora está mais ligada ao funk e até à música pop.
“Olha, tem samba bom, tem rock bom e também tem funk bom. Em todos os ritmos tem música boa e música ruim. Mas o samba era coisa de crioulo, marginal, favelado. É a mesma coisa que acontece com o funk hoje”, diz o sambista, que não tem apreço especial pelo gênero.
Além de reconhecer as mudanças no Carnaval, Zeca também diz que o Rio está mais violento. Foi o que o motivou a pedir a Claudinho e Serginho Meriti a composição “Na Cara da Sociedade”, um pedido de paz que ele gravou em seu último disco.
“[A violência] já vem de um tempo, e tomara que melhore”, diz. “Mas não tem educação, não tem hospital, não tem nada. Então, a tendência é piorar. Mas o principal é educação. Se não começar pela educação, não vai a lugar nenhum.”
Zeca lamenta que não consegue mais “subir o morro”, e diz que a malandragem, décadas atrás, “era outra”. “Malandro era diferente”.
Respeitava as senhoras, as crianças. Gostava de samba. O que se fazia era para o lado deles lá, cada um na sua onda. Agora é muita bala, muito fuzil.”
“Eu sempre ia ao morro tomar uma cerveja com a rapaziada. Aparecia um cavaquinho na casa de um, no barraco de outro, batucavam no balde. Agora não dá.”
Entre ver um episódio do Scooby-Doo com o neto (“É a minha onda agora”) e uma olhada na praia com seus binóculos, Zeca também está revirando vinis antigos. Discos de Elizeth Cardoso, Orlando Silva, Ciro Monteiro e Jackson do Pandeiro estão em alta rotação no apartamento.
Até encontrou tempo para ler o livro sobre sua vida, “Zeca – Deixa o Samba Me Levar”, de Leonardo Bruno e Jane Barboza. Apesar de lançado em 2014, ele nunca havia lido a própria biografia.
Às 18h, diariamente, ele reza, esperando uma melhora na situação da pandemia e pela saúde dos amigos. Mas os últimos tempos não têm sido fáceis para Zeca, um símbolo nacional de alegria e celebração da vida.
A lista de amigos que ele perdeu só cresce, e agora inclui Aldir Blanc, além de Almir Guineto, Wilson das Neves, Luiz Melodia, Wilson Moreira e a madrinha Beth Carvalho. Seu parceiro de décadas, Arlindo Cruz está mal de saúde. (A assessoria de Zeca esclarece que é boato a informação, que circula no Twitter, de que ele teria ajudado Aldir Blanc em seus últimos dias de vida).
“Tenho muita lembrança. Quando a gente se reúne, conta muita história”, ele diz, logo encerrando o assunto. “Mas a gente vai levando. A saudade fica no coração, mas a cabeça tem que seguir em frente. Não tem jeito”.